A Carta Topográfica e o Espelho - 2
A primeira palavra
O primeiro desses textos dá-nos a nossa razão de ser. Brilha, como um farol, desde a primeira página da Bíblia: "Deus criou o homem à sua imagem" (Gen 1,27). O sentido do homem é ser imagem de Deus. Ele será tanto mais homem quanto essa imagem for límpida, livre do pecado. Toda a nossa vida deve ser a procura dessa limpidez de imagem, dessa "nitidez", diria um fotógrafo. Não a atingiremos sem a ajuda do próprio Deus e devemo-la pedir.
Devemos ser a imagem de Deus, não por nosso desejo, mas porque Ele o quis. É Deus que é preciso escutar, e não o tentador que dizia a Eva: "vós sereis como deuses" (Gen 3,5). O pecado original, que continua na origem de todo o pecado, é o querer tornar-se igual a Deus: sua caricatura e não sua imagem. Esta revolta renova-se a cada época: os homens tornam-se, então, "como deuses", isto é, ídolos, quando deviam ser "à imagem de Deus", isto é, ícones. O ídolo crê-se Deus e exige que o adorem. O ícone sabe que não é mais que um espelho e basta-lhe que se contemple Deus através dele.
Se olharmos bem do alto a carta bíblica, o azimute da nossa vida foi traçado por Deus desde a Criação. É o de cumprir o seu projecto: "Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança" (Gen 1,26).
A segunda palavra
Reproduzir em nós a imagem de Deus é exaltante, mas é preciso saber bem o que Ele é. Ninguém o viu, é certo, mas Ele descreveu-se. Será o nosso segundo texto e encontrá-lo-emos no Livro do Êxodo, segundo livro da Bíblia. No Monte Sinai, Deus apresentou-se assim a Moisés: "Iahweh! Iahweh... Deus de compaixão e de piedade, lento para a cólera e cheio de amor e fidelidade" (Ex 34,6).
Esta Palavra de Deus é a palavra de um Pai. Ouvi-la deveria trazer-nos lágrimas aos olhos, pois nenhuma outra declaração de amor foi tão bela, nenhum retrato tão sedutor. E é justamente esse que Deus quer encontrar em nós, que nos criou "à sua imagem".
Precisamos, pois, antes de mais, de ser ternos e misericordiosos. Quiseram-nos fazer crer algumas ideologias, que a ternura era um sinal de susceptibilidade e o perdão um sinal de fraqueza. Foram exaltados as lutas e os combates, as provocações e as vinganças. Deus faz-nos um desmentido, Ele que é o Todo-poderoso. Ensina-nos que o verdadeiro poder não pode ser senão a ternura, o perdão, a paciência, a confiança e o amor.
Ele acrescenta ainda "cheio de fidelidade". Nenhum Escuta pode escutar esta afirmação do Senhor sem que ela ressoe profundamente em si. A fidelidade é a virtude por excelência do Escuta, pois somos o povo da palavra dada. O Escuta é aquele que se compromete, que promete e que mantém a palavra.
(Traduzido do Livro "Scoutisme au fil des jours" das edições C.L.D. cujo autor é Jean-Pierre Normand, assistente dos Scouts de France - Associação Escutista Católica Francesa)